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A Cultura em Penafiel por Maria José Santos, Diretora do Museu Municipal de Penafiel
Março de 2020 iniciaria uma programação cultural imensa devido à celebração dos 250 anos da cidade de Penafiel quando a pandemia fez cancelar todas as atividades. Como se gere esta informação e o facto de ter de parar todo o trabalho que já vinha a ser preparado há vários meses?
Toda a situação e as circunstâncias relacionadas com a pandemia que vivemos foi, sem dúvida, um choque para todos e implicou um grande esforço conjunto. Foi difícil termos de encarar uma situação totalmente nova e desconhecida, e apercebermo-nos de repente que a todo e qualquer momento, as nossas vidas, as nossas rotinas, os planos que fizemos e o nosso quotidiano pessoal e profissional, tal como o conhecemos até aqui, se alterou radicalmente. Perante o confinamento decorrente dos sucessivos estados de emergência, o desconhecimento relativamente ao comportamento e evolução do vírus e, sobretudo, a incerteza da evolução das condições sanitárias, impôs-se, naturalmente, o cancelamento de todas as atividades e da programação que estava definida para 2020. Este facto inédito impediu que se concretizasse um amplo conjunto de iniciativas comemorativas dos 250 anos da elevação de Penafiel a cidade e da criação do concelho, e o trabalho que já vinha sendo desenvolvido pelos diversos serviços da autarquia no âmbito do programa comemorativo, que foi sendo preparado com muitos meses de antecedência, ficou necessariamente suspenso. Mas não foi em vão, e muitos dos projetos em curso acabaram e acabarão por se concretizar, embora já fora do âmbito da celebração dos 250 anos. Todos nós compreendemos a necessidade premente de acautelar, como prioridade fundamental, a segurança e a saúde da nossa comunidade, e as equipas souberam adaptar-se muito bem às dificuldades que as circunstâncias iam gerando. Evidentemente que gostaríamos de poder ter celebrado com os todos penafidelenses, e com aqueles que nos visitam também, esta data tão simbólica e marcante para o nosso território, sobretudo sendo uma comemoração que se pretendia muito participativa e partilhada com a população, e para a qual se preparou um programa extenso e muito diversificado, para todo o tipo de públicos e com iniciativas nas mais diversas áreas, desde a cultura ao desporto. No entanto, houve muita compreensão, sentido de responsabilidade e esforço conjunto, e considero que no decurso deste ano e meio também soubemos gerir com bastante prudência e muito equilíbrio a programação cultural, de modo a conseguirmos ter uma oferta de grande qualidade para a comunidade penafidelense, apesar da pandemia.
Como se reorganiza a atividade cultural, mesmo que em menor escala, para o digital e se motiva o público a consumir através de casa? Ou seja, como foi levar o Museu Municipal e a sua agenda cultural a casa dos visitantes?
O facto de termos de encerrar o Museu ao público implicou necessariamente um período de perda de contacto físico e presencial com os nossos públicos, e o esforço de mediação teve mesmo de voltar-se para o digital, tal como aconteceu com praticamente todos os museus a nível nacional e internacional. Neste período não pudemos dinamizar as habituais ações do Serviço Educativo, fossem elas de visitas guiadas, oficinas de exploração pedagógica destinadas ao público escolar ou o nosso programa mensal destinado às famílias. Mas estas circunstâncias permitiram, por outro lado, um trabalho muito intenso de bastidores, por exemplo ao nível da gestão de coleções e na conservação preventiva, como também ao nível da gestão do património e atualização da Carta Arqueológica, e considerámos que também era importante mostrar esse labor quase sempre invisível à comunidade. Apesar do Museu Municipal já ter há vários anos uma presença on-line assídua através do seu website e da página do Facebook, e que lhe permitiu sempre uma ligação permanente com os seus públicos, acabámos por reforçar fortemente a nossa comunicação digital e criar de raiz um conjunto de novos conteúdos e de novas formas de interação com a comunidade, que estava, na sua maioria, confinada em casa. Num esforço conjunto com o Gabinete de Comunicação, definiu-se uma estratégia global de comunicação digital do Município que pudesse aproximar a autarquia aos seus munícipes em geral, e os públicos do Museu, Biblioteca e Arquivo em particular, oferendo um conjunto muito alargado e diversificado de conteúdos produzidos por estes vários serviços da área da cultura, mas também do turismo, do ambiente e do desporto. A criação destes novos conteúdos e a gestão da sua divulgação nas redes sociais implicou uma articulação permanente entre os vários serviços, e considero que foi uma estratégia conjunta bastante bem-sucedida, e uma contribuição importante para os penafidelenses em confinamento. No caso específico do Museu, a equipa acabou por ter oportunidade de desenvolver as suas capacidades e ganhar novas competências na comunicação digital, passando, por exemplo, a realizar os próprios filmes, pequenos vídeos sobre o trabalho interno nas diferentes áreas técnicas, sobre a diversidade de objetos da coleção e a sua história, sobre o património do concelho, etc. Mas também passámos a utilizar novas ferramentas digitais de cariz educativo e pedagógico, explorando um amplo conjunto de aplicações de open data disponíveis na web e que nos permitiram criar uma nova relação com os mais jovens, através de questionários, puzzles ou jogos, que aliam a transmissão de conhecimento à diversão. Foi para nós um desafio, perante todo um novo mundo digital que até aqui não tínhamos sentido necessidade de procurar, e foi necessário explorar essas ferramentas, aprender a trabalhar com elas e encontrar o ponto de equilíbrio na mediação cultural à distância.
Meses depois de encerrados, como se organiza a reabertura? Como se organizam atividades com tantas limitações de acesso?
A(s) reaberturas(s) decorrente(s) dos períodos de confinamento foram preparadas com base no estrito cumprimento da legislação e das normas da DGS em vigor relativas aos museus, e implicaram a adequada adaptação dos espaços de circulação do público e a limitação do número de pessoas em simultâneo no interior. Esta nova realidade comportou um esforço acrescido para a equipa quando, por exemplo, é solicitada uma visita guiada, o que implica conduzir um grupo de pessoas muito mais reduzido que o habitual e a afetação de mais recursos humanos à mesma atividade, alterando-se igualmente a normal dinâmica de interação entre mediador e público, que está agora condicionada quer pelo uso da máscara, quer pelo distanciamento físico. Apesar disso, ao longo deste ano e meio o Museu conseguiu ir dando resposta à procura e organizar várias atividades com a presença de público, chegando mesmo a ter iniciativas presenciais e com transmissão on-line simultânea nas redes sociais. Temos de ter agora uma preocupação acrescida quando fazemos a programação das atividades, tendo em conta sobretudo a sua tipologia e avaliando previamente a possibilidade da sua execução sem perda de qualidade na sua plena fruição. Deixámos, por exemplo, de ter os portos de honra na inauguração de exposições, que são sempre momentos agradáveis de convívio, mas sobretudo de importante partilha com os nossos visitantes, e que muitas vezes geram novas interações, novos contactos, novas ideias e novos projetos. Um outro exemplo é o nosso programa mensal dedicado às famílias, o “Ao Domingo no Museu”, que não foi ainda possível retomar, tendo em conta que o mesmo implica muita manualidade, a partilha constante de materiais e equipamentos, e uma efetiva aproximação física entre as diversas famílias participantes que não consideramos ir de encontro às melhores condições de fruição da atividade em segurança. E essa tem sido a nossa prioridade na organização das atividades em pandemia: que possam ser levadas a cabo em segurança, com as melhores condições de higiene e cumprindo todas as normas em vigor, mas que permitam uma fruição de qualidade e sejam uma experiência satisfatória para delas usufrui.
Montar uma exposição, eventos em plena pandemia não deve ser fácil. Como é que foi ultrapassar este desafio?
Adaptámo-nos muito bem, graças a uma fantástica equipa muito competente, extremamente dinâmica e flexível, e que soube articular-se interna e externamente, tornando-se por isso uma equipa mais alargada porque envolve agora uma interação mais assídua e a colaboração permanente de outros serviços municipais. Logo no primeiro confinamento, e em conjunto com o Gabinete de Comunicação, conseguiu levar-se ao público uma exposição de rua sobre o Corpo de Deus, que tinha associados conteúdos digitais através de QR Codes (que se mantêm no website do Município para quem quiser saber mais sobre o assunto), e que trouxe à comunidade muita informação e mais conhecimento sobre esta celebração tão importante da nossa cidade e concelho. Já a exposição temporária dedicada ao projecto PARTO – Penafiel Artes e Ofícios, apoiada no âmbito do Programa Tradições da EDP e programada para abrir ao público em Março de 2020, acabou por se concretizar em Julho, apesar de termos de fazer dois momentos distintos de inauguração, e apenas para os participantes directamente envolvidos no projecto, de forma a cumprirmos a lotação legal possível. Habituámo-nos a ter de reduzir a lotação de público, e as pessoas compreenderam essa limitação, mas não deixámos de realizar os eventos presenciais possíveis, da forma mais segura e cumprindo sempre todas as normas em vigor. Procuramos utilizar mais os espaços exteriores do Museu, e mantivemos uma boa oferta cultural durante este ano e meio, com exposições, lançamentos de livros, concertos, teatros e até a Escritaria, todos realizados com sucesso e sem qualquer problema. É evidente que os eventos presenciais passaram a implicar um maior esforço de planeamento, que teve de ser mais atempado e que também consome mais recursos humanos que o habitual, desde logo, por exemplo, para a limpeza e desinfecção dos espaços antes, durante e após os eventos, ou por exemplo para o eficaz controlo das entradas. A nossa estratégia passou por termos o maior cuidado na gestão e cumprimento do plano de contingência, e pela planificação das dinâmicas de circulação e de lotação permitidas para cada evento de acordo com o espaço onde decorreria, colhendo para todos os eventos o parecer prévio da nossa Delegação de Saúde. Se numa primeira fase, sobretudo no ano passado, sentimos que as pessoas ainda estavam um pouco receosas de assistir presencialmente aos eventos culturais, logo perceberam que o podiam fazer com toda segurança, e que tínhamos excelentes condições para poderem fruir da oferta cultural ao seu dispor, pelo que temos tido uma boa afluência nas nossas actividades e eventos.
Como é que acha que será o regresso das pessoas à Cultura, depois de tanto tempo afastadas? Física e emocionalmente afastadas?
Na verdade, colocada assim a questão, penso que em momento algum, aqueles que são consumidores habituais de Cultura se afastaram da mesma. O que aconteceu foi estarem inibidos de a fruir da forma convencional durante um longo período de tempo. Os públicos da cultura são muito diversificados, com comportamentos diferentes conforme a relação que têm com a cultural e o papel que lhe atribuem na sua vida pessoal e profissional. Para quem não seja um habitual consumidor de cultura, seja sob que forma for, se não sentiu a falta da fruição presencial durante os períodos de confinamento, o seu regresso não se fará com tanta facilidade, pois a aproximação já não era grande e o perfil assenta sobretudo numa fruição casuística da cultura, e não regular. Por outro lado, aqueles que integram a fruição de atividades culturais no seu quotidiano e que são consumidores habituais de cultura, tiveram ao seu dispor formas alternativas de assistir a espetáculos e a eventos culturais, porque rapidamente as entidades perceberam que podiam chegar até eles pela internet, e houve um esforço global na aposta em transmissões on-line. Claro que não é a mesma experiência que assistir presencialmente a um concerto, a um teatro ou a uma tertúlia, mas a verdade é que muitos passaram desta forma a poder ter acesso a um conjunto de iniciativas de que até aqui nem se tinha conhecimento, que não eram tão promovidas e divulgadas na web como passaram a ser, que nem sequer eram realizadas ou transmitidas on-line, e às quais nunca teriam tido acesso se assim não fosse. A pandemia e os confinamentos deram às pessoas com ligação à internet essa disponibilidade de tempo (ainda que forçada) para a procura de atividades on-line, e um potencial muito maior no alcance da divulgação por parte de quem organiza as atividades. Do resultado dessa disseminação estou a pensar, por exemplo, em públicos específicos e de determinadas áreas da cultura que, de repente, tinham ao seu dispor um grande número de webinares, congressos, conferências, cursos e outro tipo de atividades culturais, disponíveis a partir de qualquer parte do mundo e apenas à distância de um clique. E este movimento global, verdadeiramente worldwide, foi muito interessante, porque permitiu a criação de novas relações entre os agentes culturais e o público, aumentando exponencialmente a divulgação da informação e do conhecimento.
O Dia Internacional dos Museus, celebrado a 18 de maio, chamou atenção para a crise provocada pela pandemia, como tem sido a reação do público para esta problemática? Estão sensíveis ao tema e sedentos de visitas?
O tema do DIM de 2021 foi de facto “O futuro dos museus: recuperar e reimaginar”, lançado pelo ICOM precisamente com a intenção de destacar o papel e o valor dos museus na sociedade para a construção de um futuro que se quer mais sustentável e inovador, assente em novos processos de interação com os públicos, novas experiências de fruição cultural e fortemente assente na digitalização e nos processos de transição digital. Os públicos dos museus souberam fruir da oferta digital que praticamente todas as entidades se empenharam em desenvolver durante a pandemia, e criaram-se, como já referi, novos hábitos de consumo de conteúdos culturais fornecidos pelos museus, como vistas guiadas, atividades pedagógicas, transmissão de iniciativas em direto, etc. Mas a experiência presencial é sempre diferente, não direi melhor ou pior, porque isso é uma questão de perspetiva pessoal, mas muito diferente da fruição in situ e ao vivo de um museu. No nosso Museu temos tido um bom ritmo de visitas e a retoma, embora lenta, está a acontecer. Tivemos situações curiosas, em que muitas famílias procuravam o museu precisamente por considerarem poder estar num espaço seguro com os filhos, e considerarem que esses momentos de lazer, de descoberta e de partilha de saberes podiam ser feitos aqui, mesmo no meio de uma pandemia. Por outro lado, tivemos um aumento exponencial de visitantes nos núcleos externos do Museu com estruturas de ar livre, como é o caso do Castro de Monte Mozinho e da aldeia de Quintandona. A procura por parte dos operadores turísticos também já se sente em níveis crescentes, e apenas o público escolar ainda não voltou plenamente ao museu, o que também se compreende tendo em conta os desafios que as escolas tiveram e ainda têm de enfrentar. Quando retomamos cautelosamente as nossas atividades presenciais, como novas exposições temporárias, visitas guiadas, oficinas, concertos e teatro, tivemos sempre bastante público, dentro das limitações de lotação permitidas por lei, e isso dá à equipa mais motivação e alento para perceber que o público não se afastou do museu, de facto. Continuamos a acolher e a apoiar iniciativas que partem da própria comunidade, sendo também ela agente cultural, o que demonstra que a crise pandémica não afastou verdadeiramente as pessoas da cultura, nem a cultura das pessoas, muito menos dos museus. Impôs-se, isso sim, um novo paradigma nos museus, que nos conduz a explorar novas formas de fruição destes espaços, das suas coleções, do seu património e das suas atividades, o que vai obrigar as equipas a dotar-se de cada vez mais meios, recursos e competências ao nível da mediação e da comunicação digital, e uma maior necessidade de formação e de constituição de equipas multidisciplinares.
Como se prepara o futuro pós pandemia? Ou ainda com pandemia num retomar com menos restrições?
Prepara-se com cautela e com confiança em dias melhores. Estamos optimistas de que gradualmente possamos normalizar as nossas actividades, cada vez com menos restrições e mais público a participar. Mas a verdade é que já estamos habituamos a elas, numa nova normalidade em que as restrições já fazem parte do dia-a-dia, e essa adaptação permite-nos planear o futuro de forma serena e com tranquilidade. Temos a consciência de que a comunicação on-line tem de ser para continuar, e é preciso continuar a apostar no digital, considerando o seu enorme alcance, que comprovámos, por exemplo, na última edição da Escritaria, realizada em 2020 e em plena pandemia, mas que chegou, pela primeira vez, a milhares de pessoas espalhadas por tudo o mundo e cujas iniciativas transmitidas on-line tiveram mais de 100 mil visualizações.
O que o concelho de Penafiel sendo um território de natureza, e sendo esses territórios os mais procurados para voltar ao “normal”, o que há de momento para oferecer culturalmente aos penafidelenses e turistas?
O concelho tem muito para oferecer à sua comunidade e a quem nos visita, desde logo porque tem um leque alargado de opções ao nível do património e do turismo cultural e de natureza, que é muito rico e diversificado. Na cidade, as opções são várias, com o Museu Municipal, o Museu de Arte Sacra da Misericórdia, a Biblioteca Municipal e o agora renovado Recreatório Paroquial, que passa a ser mais um espaço com oferta de programação cultural descentralizada, como já acontece também com a Assembleia Penafidelense. Além destas estruturas, a cidade tem no seu centro histórico um conjunto de igrejas e de espaços verdes bem cuidados que permitem ao visitante um périplo muito interessante e que têm sido igualmente palco de eventos e de atividades culturais. No âmbito do programa “Sentir o Verão”, que se prolonga até final de setembro, temos apostado sobretudo numa programação cultural que privilegia os espaços ao ar livre, com concertos, contos de histórias e cinema em formato drive-in. Mas as opções não se esgotam na cidade, e há muito património e natureza para fruir por todo o concelho, tendo o visitante muitas alternativas de visita, desde logo, por exemplo, na Quinta da Aveleda, no Castro de Monte Mozinho, no Mosteiro de Bustelo e de Paço de Sousa, ou nos restantes monumentos que integram a Rota do Românico. A este vasto património edificado juntam-se os elementos naturais que oferecem paisagens ribeirinhas deslumbrantes, trilhos e percursos diversos, e que permitem ao visitante descobrir o património vernacular e imaterial do nosso território, das nossas aldeias mais singulares, como Quintandona ou Cabroelo, as nossas tradições, e fruir do melhor que Penafiel tem para oferecer.